terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sumário de Conteúdos - O caso de Vila Real de Santo António:


Se, durante o século XVIII, emerge o estudo do urbanismo e a aplicação de novas soluções arquitectónicas e de gestão do espaço urbano - sobretudo a utilização da perspectiva na criação de planos de edificação -, não deixa de ser oportuno registar a instrumentalização política do urbanismo, criando uma mensagem simbólica e gerindo um espaço onde, não só, coexistem pessoas, mas também as suas necessidades, sonhos e exigências.

Vila Real de Santo António é uma vila edificada de raiz (do nada), num território que era, desde a Idade Média, terra de Desterro (Castro Marim) e que fugia, desde longa data, ao tributo dos impostos devidos à Coroa Portuguesa. O primeiro edifício construído em VRSA foi a Alfândega, precisamente pela necessidade urgente de cobrar os impostos das actividades comerciais relacionadas com a pesca da sardinha e atum.

A Arquitectura Pombalina é testemunho não só do Iluminismo que defendia o definitivo triunfo da Razão sobre o mundo, mas também de uma posição política em que o poder do Estado se ergue acima do poder religioso (Igreja). Esta velha ordem, colocara, não raras vezes, a Coroa Portuguesa sobre a influência directa da Igreja, a figura de Marquês de Pombal personificou a afirmação do Estado “sobre os assuntos dos homens”, ficando a Igreja com “as questões da alma”.

A racionalização do espaço, a partir de um plano, permite desenhar uma quadrimetria e geometrizar a vila de VRSA, a utilização do Quadrado perfeito na Praça Real, e os quarteirões simetricamente dispostos (100x120 palmos). A visão da vila como um todo, permite solucionar os problemas antes mesmo de edificar - planifica-se a vila a partir do plano, pensando as questões de mobilidade, urbanismo e arquitectura.


Memória dos Lugares & Epifania dos Espaços

Sumário de Conteúdos - O caso de Vila Real de Santo António:


A construção da Praça Real é testemunho da relação de poderes entre Estado e Igreja. O edifício predominante na praça são as Casas da Câmara, ficando a Igreja Matriz à esquerda. A diferença de dimensão dos edifícios, assim como, a discretíssima arquitectura da Igreja inserem-se numa política de instrumentalização da arquitectura, através da construção de uma mensagem simbólica. A utilização do Obelisco (símbolo do culto egípcio ao Sol) revela a preocupação de registar o cunho iluminista na edificação da vila.

A fachada frente ao Rio Guadiana é mais um exemplo de arquitectura de poder, a arquitectura sóbria, simétrica, racional e geométrica, ladeada por dois imponentes Torreões, são a demarcação de uma fronteira entre Portugal e Espanha - o que até então não era totalmente definido, pois esta zona é reconhecidamente local de sucessivos e repetidos fluxos migratórios). Assim, pela arquitectura imponente sublinha-se o poder do Estado e afirma-se a questão fronteiriça.

A denominação dada à vila é particularmente reveladora da posição do Estado no projecto de edificação. Vila Real de Santo António é, como o nome indica, um projecto do rei, idealizado e fiscalizado pelo estado. Este compromisso régio com o projecto explica a toponímia original da vila, um pouco atípica para a época e onde se encontram ruas com nomes como:

  • Rua da Rainha, do Príncipe, da Princesa, do Marquês, etc. Todos estes nomes ligados ao poder do Estado. Com apenas duas excepções - Santo António e São Sebastião. Na primeira, ora pela antiga povoação de Santo António de Arenilha, ora pela questão da reconstrução de Lisboa após o Terramoto de 1755, na segunda, a excepção é feita a título pessoal, Marquês de Pombal - Sebastião José de Carvalho e Mello - reserva uma rua ao seu padroeiro.
  • No Obelisco da Praça Real lê-se o foral da vila, documento medieval, emitido pelos reis para atribuir às cidades e vilas honrarias, privilégios e enumera direitos e deveres. Em pleno século XVIII, recupera-se o foral medieval, apenas enquanto símbolo do poder do estado, de modo a perpetuar na Memória Colectiva que a vila foi um projecto régio.



João Miguel Pereira